Soro da verdade
Dora Kramer – O Estado de S.Paulo
Só na semana passada foram três os casos de acusados interessados em entregar o ouro aos mocinhos.
Parece efeito colateral do julgamento do processo do mensalão, cujo rigor no trato do Supremo Tribunal Federal terá repercussão em outras instâncias do Judiciário e pelo jeito funciona como uma espécie de soro da verdade.
Condenado a 40 anos de prisão, Marcos Valério Fernandes de Souza deu dois depoimentos (um ainda não divulgado) à Procuradoria-Geral da República com novas informações para tentar um alívio na execução da pena já recebida e obter benefícios nos outros processos a que responde.
Condenado a 39 anos de cadeia, Carlos Augusto de Almeida Ramos ameaça atuar como "garganta profunda" — o responsável por revelar ao jornal The Washington Post detalhes sobre o caso Watergate — apontando vínculos de integrantes da CPI do Cachoeira com a construtora Delta, em troca de prêmio pela delação.
Acusado de ser o chefe de uma quadrilha que fraudava pareceres e traficava influência no governo federal, Paulo Rodrigues Vieira trocou de advogado (o antigo era ligado a Márcio Thomaz Bastos) e analisa se não seria vantajoso para ele denunciar "gente mais graúda" implicada no inquérito da Operação Porto Seguro.
Indiciada por formação de quadrilha em decorrência da mesma investigação, Rosemary Noronha arrisca-se a ser processada por este e outros crimes como corrupção passiva, falsidade ideológica e lavagem de dinheiro.
Se condenada, somadas as penas — considerando a dosimetria mínima e sem levar em conta os possíveis agravantes — seriam nove anos e quatro meses de prisão. Em regime fechado, como aprendemos que ocorre quando a condenação é superior a oito anos.
Na avaliação de quem entende desse tipo de riscado, Rose está hoje mais ou menos na situação de Marcos Valério em 2005: pode acreditar na eficácia da rede de proteção prometida a ele e na expectativa de que não haja penalidade tão pesada ou pode fazer um acordo com o Ministério Público a fim de se livrar do regime fechado.
Para Marcos Valério, pode ser tarde em relação à ação principal, já em fase de conclusão. Mas, para Rose e outros implicados, a hora é essa.
Todo bandido tem dois relevantes momentos em sua trajetória de crime. Metendo os pés pelas mãos e usufruindo as mordomias sobre todos os aspectos dos frutos e resultados de suas ações e que o fazem se acreditar e entender ser o mais esperto, o diferenciado, o supra sumo do humano e que os demais são pura e simplesmente dementes, patetas e bobos.Todos esquecem que ninguem consegue viver eternamente sob as trevas do crime. Todos olvidam que as virtudes que permeiam as relações é que tem luz própria, enquanto o foco das lanternas da ladroagem e da corrupção, uma hora a pilha descarrega e, aí chega a hora de darem de cara com os códigos e os tribunais e as togas. E como vermes asquerosas se portam como angelicais e inocentes entes, como que jamais houvessem causado mal a uma mosca. Por isso os julgamentos desses bandidos não podem ser revestidos de condescendencia, pois até chegarem às barras dos tribunais, já amaldiçoaram e impingiram muita penúria a cidadãos de bem e de oportunidades escaças.
Lúcio Reis
16 de dezembro de 2012 at 17:49